O Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) se tornou, este mês, uma política de estado permanente. O programa foi criado em maio de 2020 para auxiliar financeiramente os pequenos negócios e, ao mesmo tempo, manter empregos durante a pandemia de covid-19, mas foi encerrado no fim do ano. Para restabelecer a iniciativa, o Congresso Nacional aprovou um novo projeto de lei que foi sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro no início do mês de junho.
As empresas beneficiadas assumiram o compromisso de preservar o número de funcionários e puderam usar os recursos para financiar a atividade empresarial, como investimentos e capital de giro para despesas operacionais. Para o advogado e professor Marcelo Godke, o programa foi importantíssimo para o país manter as empresas abertas no ano passado, e com condições de pagar seus compromissos e manter os empregos.
“O Pronampe acabou surgindo em um momento de crise, em que a economia se estressou. Claro, é importantíssimo em um momento como este dar um pouco de crédito para tentar manter os empregos, de um lado, e as empresas abertas, do outro. No entanto, eu diria que o regime de garantias do programa é até mais importante do que o financiamento”, destaca o advogado, que é especialista em Direito Empresarial e Societário e professor do Insper e da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap).
Godke aponta que com um regime amplo de garantias fica mais fácil as micro e pequenas empresas (MPEs) terem acesso a linhas de crédito, sobretudo para capital de giro. “As empresas que precisam do crédito vão poder se apoiar em um pool comum de ativos, colocado ali para servir de garantia para os tomadores de dinheiro. E o resultado é que os bancos terão um pouco mais de facilidade, inclusive, de dar dinheiro próprio e não só dinheiro que é do Pronampe”, explica Marcelo Godke.
Os novos empréstimos feitos pelo Pronampe, considerados a partir de janeiro de 2021, poderão ter custo máximo de 6% ao ano, mais taxa Selic (3,5% ao ano). As instituições bancárias participantes do programa operarão com recursos próprios e poderão contar com garantia a ser prestada pelo Fundo Garantidor de Operações (FGO), administrado pelo Banco do Brasil. Esse fundo servirá como garantia para até 100% do valor das operações, desde que todos os empréstimos feitos pela instituição não tenham taxa de inadimplência maior que 85%.
A linha de crédito concedida pelo Pronampe corresponderá a até 30% da receita bruta anual calculada com base no exercício anterior ao da contratação, salvo no caso de empresas que tenham menos de um ano de funcionamento. Nesse caso, o limite do empréstimo corresponderá a até 50% de seu capital social ou a até 30% de 12 vezes a média da receita bruta mensal apurada desde o início de suas atividades, valendo a opção mais vantajosa para o pequeno empresário.
Acesso ao crédito pelas MPEs
Ao longo do ano passado, o Pronampe disponibilizou mais de R$ 37 bilhões em financiamentos para quase 520 mil micro e pequenos empreendedores. Na nova fase, o governo disponibilizou crédito de R$ 5 bilhões, mas a expectativa é que os bancos que vão operacionalizar os financiamentos possam alavancar os recursos disponíveis para cerca de R$ 25 bilhões.
O professor Marcelo Godke explica sobre a importância para o Brasil de o Pronampe ter se tornado política pública permanente:
Como é o acesso ao crédito no Brasil pelas micro e pequenas empresas?
O Brasil tem um problema crônico de financiamento das micro e pequenas empresas, que não é de hoje e nem um problema decorrente da pandemia da covid-19. É um problema que já vem de muito tempo. O chamado déficit de financiamento das micro e pequenas empresas (MPEs) existe, por exemplo, nos Estados Unidos e na Europa, só que no Brasil este gap acaba sendo maior do que o que se vê na região norte do mundo.
Eu mensurei o financing gap do Brasil nos três últimos anos do Governo Dilma, e eu publiquei um paper na Europa em 2019. E era um déficit de financiamento que, por acaso, estava entre 56% e 57%, passou para mais de 70% e depois foi para quase 90%. De cada 100 unidades monetárias que são necessárias, as micro e pequenas empresas só conseguem tomar em banco o equivalente a 12 unidades monetárias. É claro que o problema se agravou com a crise que a gente viveu no final do Governo Dilma, mas deu para constatar que era um problema crônico no Brasil, e não é porque as micro e pequenas empresas não tenham dinheiro. O dinheiro existe, só que as próprias instituições financeiras são reticentes em redirecionar o seu dinheiro disponível para as MPEs, uma vez que a operação naturalmente tem risco maior.
Normalmente, os negócios de micro e pequeno porte são, de um lado, empresas mais jovens, com faturamento menor, dificuldade de cumprir com as suas obrigações; e de outro lado, há uma falta de bens para dar em garantia. O próprio sócio assina como avalista/fiador, e ainda assim, muitas vezes, o banco se nega a dar o crédito. Mas se ele não estiver disposto, não sobra muita alternativa, e não tem crédito. É, portanto, um problema antigo no Brasil e que ainda não tem solução adequada.
Qual a importância do Pronampe para o Brasil neste contexto?
O Pronampe acabou surgindo em um momento de crise, em que a economia se estressou. Então, é importantíssimo num momento como este dar um pouco de crédito para tentar manter os empregos, de um lado, e as empresas abertas, do outro. Empresas funcionando significa imposto e aluguéis pagos, ou seja, a economia funcionando.
Agora, eu diria que o regime de garantias do Pronampe é até mais importante do que o financiamento. É um regime amplo que vai permitir que as micro e pequenas empresas peguem dinheiro com um pouco menos de dificuldade.
Espero que o regime de garantias se expanda no futuro e atinja um número maior de empresas. Os regimes de garantias existentes no Brasil até agora eram restritos a uma quantidade pequena de empresas e a programas específicos. Creio que será, no longo prazo, o grande diferencial do Pronampe.
Como funciona este sistema de garantias?
As empresas que precisam do crédito vão poder se apoiar em um pool comum de ativos, colocado ali para servir de garantia para os tomadores de dinheiro. E o resultado é que os bancos terão um pouco mais de facilidade, inclusive, de dar dinheiro próprio e não só dinheiro que é do Pronampe. Por isso, é importante ter esta garantia. Minha expectativa é que este regime de garantia seja expandido para além do Pronampe, de forma que os bancos concedam crédito que serão garantidos por este pool comum de ativos. E com isso, as MPEs terão um pouco menos de dificuldade para se financiarem.
Qual a principal necessidade da empresa na hora de tomar crédito?
Em geral, 80% das micro e pequenas empresas vêm a falir por necessidade de capital de giro, ou seja, têm que pagar hoje o salário dos funcionários, o aluguel, os tributos e o fornecedor de insumos e até comprar um computador etc. Só que às vezes, as empresas só recebem daqui a 30, 60, 90 dias. Tem setores que o descasamento de capital de giro é uma coisa maluca, como no caso do frigorífico de frango em que o produtor financia desde a produção do pintinho e da quirera para alimentar os animais, passando pelo abate e embalagem, até a entrega, e ainda vai demorar meses para receber.
Então, a necessidade de capital de giro é que, na maioria das vezes, acaba matando as empresas. O negócio pode até estar funcionando bem, ter clientes, ser inovador e ter crescimento e vários aspectos positivos, só que não consegue encaixar o fluxo de caixa com a sua necessidade de caixa hoje.
E o custo do crédito via Pronampe?
Por meio do Pronampe, o financiamento tem um custo mais reduzido, apesar da taxa ainda ser alta: Selic +6%. Se considerar que a Selic vai acabar subindo por conta da inflação em alta, daqui a pouco chegará a uma taxa de 10% ou 12% ao ano de juros efetivos. Uma MPE terá dificuldade de pagar isso. No entanto, não tem alternativa fora do programa. Fora, as taxas são de 30% a 70% ao ano. Isso mata o negócio.
Então, o Pronampe mitiga um pouco o problema do alto custo do crédito no Brasil, mas a gente precisa ter um sistema mais robusto de garantia para poder colocar este risco lá embaixo e que os bancos tenham maior facilidade em conceder crédito em patamares mais palatáveis.
E como as MPEs acessam ao Pronampe Permanente?
É um crédito que é concedido privadamente pelas instituições financeiras. É como se fosse um crédito normal. Não vou ao BNDES para pegar este dinheiro. O que é preciso fazer? É preciso ter um bom relacionamento com uma instituição financeira, porque ela vai mensurar o meu risco de crédito. Vai consultar o SPC. Se a empresa se submeteu ao Cadastro Positivo, vai ver se tem um bom credit score (uma boa nota de crédito). Às vezes, uma empresa muito nova não tem (pontuação), e o Pronampe tenta mitigar isso falando quanto vai conceder para as empresas com menos de um ano. O Pronampe serve para ajudar nisso, mas ainda assim o banco vai fazer a sua avaliação de crédito.
O que é preciso para melhorar o seu ambiente de negócio brasileiro?
A gente precisa desburocratizar. Uma coisa importante que foi aprovada a pouco tempo foi a Lei Complementar 182 – o Marco Legal das Startups –, que criou um regime para melhorar o ambiente de negócio no Brasil e se criou a sociedade anônima simplificada, que na verdade, tem outro nome mas basicamente é o mesmo regime. Vejo que a inserção no nosso sistema jurídico brasileiro deste projeto de lei vai trazer um alívio bom para as empresas com faturamento de até R$ 78 milhões por ano, que vão poder deixar de publicar algumas coisas no Diário Oficial, algo que se pleiteia há muito tempo no Brasil. É uma publicação antiquada e que perdeu a função de passar a informação, porque hoje temos um método mais moderno e eficiente: a internet.
A lei fala que as informações mantidas em caráter permanente na internet, não precisam ser publicadas em Diário Oficial. Entra em vigor em 90 dias, a contar do dia 1º de junho deste ano. E vai melhorar muito o ambiente de negócio no Brasil.
Na Colômbia, teve um efeito muito positivo. Lá tinha sociedade limitada e sociedade anônima, e quando foi criada a sociedade anônima simplificada, em dois/três anos, 90% das empresas constituídas no país passaram a ser sociedade anônima simplificada.
Com informações da Agência Brasil.